Você já deu uma olhada na sua gaveta esse mês? Bora doar algo? Vem, vão bora!
Hoje é dia de doar!
Hoje é um dia doloroso pra um bom filho regrado pelo capitalismo acumulador; um dia sorridente para quem tem menos acesso e recebe algo tão importante; e um dia comum para quem faz o bem por fazer e saber que não faz mais do que o certo em doar o que pode.
Isso é normal, ou deveria...
A intenção deste post não é de maneira alguma exaltar minha ação, na real a ação não deve ser vista como nada mais que uma obrigação, a de doar, compartilhar o que é mais útil para outro e um excesso para mim. Infelizmente nesses tempos onde a tecnologia afasta as pessoas e os abismos sociais nos tornam cada dia mais indiferentes uns com os outros, a boa ação é vista como algo elevado, raro e digno de elogio.
Portanto, faço o post para tocar os que têm sido indiferentes e os que gostam do discurso de fazer o bem, mas que há muito poderia fazer mais um pouquinho, algo simples, mas se esqueceu – esqueceu de verdade, não estou sendo irônico, às vezes ficamos desatentos mesmo, pois quem tem luz se esquece da importância do fogo e do sol até que ela falte.
Exercício 1: organize suas gavetas
Tenho amigos que utilizam a filosofia de sempre que compram uma peça de roupa doam outra similar, assim nunca há acúmulo desnecessário. Sempre achei louvável.
Mas há quanto tempo você não vasculha suas gavetas, armários, caixas, closet ou o que for para se dar conta que aquela blusa que você tanto gostava já não é utilizada a um bom tempo?
Especialmente hoje vou pedir a você que faça um pequeno exercício: aproveite um tempinho no fim de semana e dê uma organizada em suas coisas. Repare nas principais roupas que tem - aquelas que você usa toda semana. Você, muito provavelmente, se dará conta de que no mês inteiro, as roupas que escolhe são mais ou menos as mesmas sempre, seja no dia-a-dia ou nas festas. Primeiro porque são suas favoritas, segundo porque podem criar milhares de combinações e terceiro porque tendemos a usar sempre as roupas mais novas. É quase impossível que você me responda que utiliza roupas na semana anterior, totalmente diferentes (todas as peças) da semana seguinte. Se você consegue fazer isso provavelmente este site poderá parecer bem estranho para você.
Exercício 2: você prefere a roupa que acumula poeira ou que aquece alguém?
Partindo do princípio que você é um ser humano comum, já se deu conta que realmente há peças que não são usadas há algum tempo. Então, em um segundo exercício peço que você me responda: você prefere que esta roupa que não vem sendo utilizada (e que é nitidamente um excesso) fique no canto escuro do fundo da sua gaveta ou que sirva para alguém que está no canto escuro do fundo das ruas e casas humildes?
Findando os dois exercícios você pode decidir por si mesmo o que fazer com seus excessos.
A dor do desapego
Sim, se você concluiu o mesmo que eu e tomou a mesma atitude (de doar) passará pela dor inicial do desapego. A pena de dar aquele seu casaco preferido de outrora; aquela calça inseparável que era quase parte do seu corpo; aquela sua blusa que ganhou de uma pessoa muito querida ou que foi feita para sua primeira festa na faculdade, etc. É, vai doer, mas isso é pequeno perto do sorriso que você ganha ao doar para outra pessoa que precisa bem mais que você. O sentimento da pessoa por você será sincero e indescritível.
E relaxe, essa dor não significa que você tem um coração ruim. Simplesmente você foi criado a vida inteira em um sistema que culturalmente incentiva a propriedade privada e a acumulação. Muito também não querem doar porque acham que não terão para comprar mais depois ou porque sofreram muito para conseguir grana para comprar as que tem, mas antecipo que isso é uma ilusão. Principalmente para os que, assim como eu, passaram um bom pedaço da vida sem poder comprar roupas novas ou algum objeto que gostaria, pensem no quanto seria bom ter ganhado de alguém naquela época, ou o quanto foi bom ter ganhado.
Por fim, se quiser, faça um exercício simples: pegue algum objeto que você gosta muito (muito mesmo) e de para uma pessoa que você gosta. Você estará praticando a lei do desapego e logo vai se acostumar e concluir que é melhor dar que guardar. A dor dói no início, mas logo você esquece até do que tinha.
Guarde a foto, doe a roupa, acumule amigos
Uma dica para aliviar é tirar uma foto de recordação. Eu possuía várias blusas que eu pensava: “essa não dou, essa é clássica e daqui a 20 anos vou mostrar pros meus amigos que ainda a tenho”. Percebi que isso é besteira. Primeiramente porque nunca ou quase nunca vou mostra-la aos meus amigos. Segundo, eles podem ignorar a lenda da camisa. Terceiro, posso não estar vivo daqui a 20 anos. Quarto, eles podem curtir assim como eu, mas será uma felicidade tão longa quanto o sexo entre coelhos.
Por outro lado, guardar a foto e mostrar depois de anos irá criar o mesmo ar de saudosismo, todos se lembrarão alegres daquele bom período nostálgico e ainda assim você terá vestido e aquecido um irmão, seja conhecido ou não. Esta felicidade você pode ter certeza que durará bem mais tempo que o orgasmo de um porco e provavelmente você nunca se esquecerá.
Outro motivo para não guardar é que tudo parece fazer muito sentido até que ocorra uma catástrofe. Em um eventual incêndio ou sua morte, de que terá adiantado guardar tantas coisas por tanto tempo?
Guarde os amigos, não se afaste deles, mantenha-os por perto. Procure-os quando eles estiverem sumidos, visite-os, traga-os pra si. Amigos são umas das poucas coisas que vale realmente a pena acumular.
Doe o que você usaria
A Célia, vulgo minha mãe, desde pequeno sempre me disse: “filho, doar algo que não serve mais para você ou porque está rasgado, ou porque está muito velho e etc não vale! Você precisa doar algo que ainda acharia digno e confortável usar”.
É claro que o que você vai doar está usado, mas não deve estar acabado. Doe algo digno, algo que você diga a si mesmo com sinceridade que ainda usaria, ou usaria se recebesse de alguém. Lembre-se sempre que você está doando para um ser humano tão digno quanto você, mas que por algum motivo possui menos oportunidades e/ou recursos.
Adeus matéria, olá vida
Foi pensando mais ou menos por estas linhas que conclui que se eu fosse viajar um longo período como o que escolhi não fazia sentido algum manter na gaveta roupas e objetos de casa que não caberiam na minha mochila. Por que ficariam empoeirados lá se poderiam servir para alguém? Sei que quando voltar, se precisar de algo darei um jeito de conseguir. Portanto, resolvi dar tudo que não cabia na minha mochila e que não pretendia levar. Nesta pequena leva foram desde roupas, tênis e cobertores, até geladeira, micro-ondas e armários.
Acredite, minha vida ficou bem mais leve e feliz. E a vida de quem recebeu igualmente ou até mais.
Eu, minha mochila e a liberdade
Hoje tenho um caso de amor com minha mochila. Ela me faz bem mais feliz do que um apartamento mobiliado, mas você pode doar pouco, cada um possui uma realidade, necessidade e desejo e ninguém precisa necessariamente radicalizar. Só, por favor, não seja como a maioria, não seja indiferente, não se esqueça de estender sua mão de verdade para alguém e pensar no próximo. E não se lembre do fogo e do sol só quando faltar luz.
Tá esperando o que pra doar? Faça sua doação e conte pra gente como foi!!
Pense nisso! Você certamente pode ajudar alguém mais do que pensa. =)
Fotos: Arquivo pessoal; Pixabay; Mundo das Tribos.